Cemitério Oculto por Séculos Descobre 100 Mil Vítimas da Escravidão na Bahia
Arqueólogos identificaram mais de 100 mil corpos enterrados em antigo cemitério sob o Complexo Pupileira, em Salvador, usado entre os séculos 17 e 19 para escravizados e marginalizados.
Um cemitério escondido por mais de dois séculos, localizado sob um estacionamento no Complexo Pupileira, no centro de Salvador, foi revelado em maio de 2025, trazendo à tona os restos de mais de 100 mil pessoas escravizadas e marginalizadas entre os séculos 17 e 19. A pesquisa arqueológica, liderada pela arqueóloga Jeanne Almeida e apresentada ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) em 21/10/2025, identificou o local como um espaço de memória sensível, abrigando africanos escravizados, pobres, indigentes, não-batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e líderes de revoltas como a dos Búzios (1798) e dos Malês (1835). Resultado de uma colaboração entre MP-BA, Santa Casa de Misericórdia e pesquisadores, a descoberta marca um avanço na reparação histórica e na preservação da memória coletiva baiana, com o Iphan recomendando a desativação do estacionamento.
O cemitério, fechado em 1844, foi localizado por Silvana Olivieri durante seu doutorado na UFBA, com escavações de 10 dias em maio confirmando fragmentos ósseos e artefatos históricos. O próximo passo é transformá-lo em Sítio Arqueológico dos Africanos, promovendo diálogo com movimentos negros e religiosos, conforme proposto pelo promotor Alan Cedraz, do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico.
A Descoberta e Seu Contexto Histórico
A investigação começou em dezembro de 2024, quando o MP-BA mediou com a Santa Casa, proprietária do terreno próximo ao Dique do Tororó, para autorizar os estudos. Olivieri, ao analisar documentos históricos, identificou o Complexo Pupileira como o sítio de um cemitério soterrado, similar a achados em Belém. As escavações de maio confirmaram vestígios humanos, com estimativa de 100 mil corpos acumulados em 150 anos de uso.
Pesquisadores destacam a relevância cultural: "É essencial para resgatar a memória social, recuperando séculos de apagamento forçado", afirmou Almeida. Entre os enterrados, estão figuras de movimentos de libertação negra, como os da Revolta dos Búzios e dos Malês, além de grupos excluídos pela sociedade colonial.
- Período de Uso: Fim do século 17 a 1844.
- Grupos Enterrados: Escravizados africanos, pobres, excomungados, prostitutas, insurgentes.
- Localização: Complexo Pupileira, centro de Salvador.
O Iphan e o Ipac, presentes na reunião de 21/10, apoiam a proteção do sítio, enquanto a Santa Casa avalia a suspensão do estacionamento.
| Etapa | Data | Ação |
|---|---|---|
| Pesquisa Inicial | Dez/2024 | Mediação MP-BA e Santa Casa |
| Escavações | Mai/2025 | Identificação de vestígios ósseos |
| Apresentação ao MP-BA | 21/10/2025 | Relatório com estimativa de 100 mil corpos |
| Próximos Passos | Nov/2025 | Diálogo social e proposta de sítio arqueológico |
Foto: Vista aérea do Complexo Pupileira, onde jazem vestígios de um passado esquecido - Arquivo UOL
Significado e Propostas de Reparação
O promotor Alan Cedraz enfatizou a necessidade de quebrar o "ciclo de esquecimento": "Proteger o local como sítio arqueológico de memória sensível e promover escuta social com movimentos sociais, lideranças religiosas e espirituais para um processo de reparação histórica". A transformação em sítio arqueológico visa preservar os achados e educar sobre o legado escravocrata, com possibilidade de memoriais ou centros educativos.
A descoberta reconecta a narrativa de grupos marginalizados à luta por igualdade, sugerindo parcerias com comunidades afrodescendentes para definir o futuro do espaço.
Implicações e Reações
Movimentos negros, como a Coalizão Negra por Direitos, celebraram a iniciativa como um passo para a justiça histórica. A Santa Casa, inicialmente resistente, agora colabora, enquanto o Iphan planeja tombamento. A sociedade baiana vê na preservação uma oportunidade de reconciliação com o passado.
