Falta de provas no
Advogados e aliados do ex-presidente alegam que denúncia da PGR se baseia em narrativas frágeis, sem evidências materiais de execução, enquanto STF cita "excesso de documentos" para condenação
A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2025, continua gerando controvérsias. Em recursos e embargos de declaração protocolados no STF, a defesa de Bolsonaro e de outros seis réus argumenta que não há provas concretas de uma trama golpista, classificando a acusação como uma "narrativa construída" sobre falas públicas e delações premiadas questionáveis. Enquanto o STF, liderado pelo relator Alexandre de Moraes, fala em "excesso de provas", juristas e opositores veem no processo uma "caça às bruxas" política, alimentada por indícios indiretos e sem atos efetivos de ruptura.
Argumentos da defesa: ausência de violência e atos concretos
Desde o interrogatório em junho de 2025, a defesa de Bolsonaro, liderada pelo advogado Celso Vilardi, sustenta que não há elementos que configurem o crime de golpe de Estado, previsto no Código Penal como a tentativa de derrubar o governo com "violência ou grave ameaça". Vilardi enfatizou, em sustentações orais na Ação Penal (AP) 2668, que o ex-presidente não tomou medidas executivas para impedir a posse de Lula, como editar um decreto de estado de defesa ou mobilizar tropas. "Bolsonaro determinou a transição de governo e pediu que o novo ministro da Defesa fosse recebido, demonstrando disposição para assegurar a transmissão do cargo", argumentou o advogado, citando a falta de uma "minuta do golpe" assinada ou implementada.
Os réus, incluindo os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, invocam o princípio da "desistência voluntária": após reuniões com comandantes militares em dezembro de 2022, Bolsonaro teria recuado, desmobilizando apoiadores e evitando escalada. A defesa de Braga Netto, por exemplo, alega que o general tentou "demover o ex-presidente do plano", enquanto Heleno nega qualquer articulação para politizar o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Esses pontos comuns nos recursos, analisados pelo STF desde novembro de 2025, questionam o cálculo das penas, que somam crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada, sem provas de "grave ameaça".
Delação de Mauro Cid: o "calcanhar de Aquiles" da acusação
Um dos pilares da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), sob Paulo Gonet, é a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid relatou reuniões na casa de generais e supostas entregas de dinheiro para financiar atos antidemocráticos, além de mudanças em versões sobre uma "reunião na casa do general". No entanto, as defesas atacam a credibilidade: Vilardi destacou que Cid alterou relatos sete vezes, sem detalhes sobre "como, quando, onde ou por qual motivo" teriam ocorrido os fatos. "Cid não se lembra das circunstâncias, e Bolsonaro está preso apenas com base nesses relatos", afirmou o advogado em setembro de 2025.
O diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, reforçou indícios de fragilidade em janeiro de 2025, ao afirmar que não encontrou provas suficientes para indiciar Michelle e Eduardo Bolsonaro, apesar de menções na delação de Cid. "Investigamos e não encontramos elementos para várias pessoas", disse Rodrigues no programa Roda Viva, sugerindo que o inquérito, baseado em mensagens e arquivos digitais, carece de robustez para todos os envolvidos.
Provas citadas pelo STF: documentos e lives como "excesso de evidências"
Do outro lado, o STF, em votos como o de Flávio Dino e Cármen Lúcia, descreve um "excesso de provas" documentais. Moraes, relator, citou agendas apreendidas de Augusto Heleno com "anotações golpistas", lives de Bolsonaro questionando urnas eletrônicas (julho de 2021 e reunião com embaixadores em 2022), manuscritos e planilhas digitais sobre "desacreditar o processo eleitoral", além de mensagens sobre uso indevido da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno. "No golpe de 64 havia menos prova documental do que nessa tentativa. Só faltou lavrar a ata", ironizou Dino em seu voto.
A PGR, em conclusões finais, afirma que o grupo "documentou quase a totalidade" de seus movimentos, incluindo a "minuta do golpe" encontrada na casa de Anderson Torres. No entanto, as defesas contra-argumentam cerceamento: alegam falta de acesso integral às provas, com o MPF e PF tendo mais tempo para análise, e anexação de "alto volume de documentos irrelevantes" para dificultar o trabalho. O ministro Luiz Fux, em voto minoritário, absolveu vários réus por "falta de provas", ecoando críticas de que o julgamento deveria ocorrer no plenário completo do STF.
Reações políticas: de "perseguição" a "ameaça à democracia"
Aliados de Bolsonaro, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), classificam a denúncia como "sem provas documentais", inserida em uma "tentativa de desmobilizar o bolsonarismo" – movimento que representa "parte expressiva da população". Em março de 2025, Damares questionou no Senado: "O impeachment de Dilma foi golpe? Aqui, não há ata, nem atos concretos". A oposição, incluindo o PL, vê o processo como "motivação política", especialmente após a inelegibilidade de Bolsonaro até 2030 pelo TSE.
Críticos, como o PSOL e PT, defendem a condenação como "vitória da democracia", com Gonet destacando a "sequência de atos de ruptura" comprovada. A recente aprovação na Câmara da redução de penas para condenados por golpe (PL da Dosimetria Penal, em 10 de dezembro) reacende o debate, com opositores chamando de "impunidade seletiva".
Implicações: um julgamento sob escrutínio global
Os embargos de declaração, em análise desde novembro, podem alterar o rumo: se acolhidos, reabrem discussões sobre provas e penas, potencialmente levando a absolvições parciais. Juristas como Manoel Gonçalves Ferreira Filho alertam para o risco de "juristocracia", onde narrativas substituem evidências. Com Bolsonaro preso desde novembro de 2025 por violação de tornozeleira, o caso divide o Brasil pré-eleitoral de 2026, questionando se a justiça pune crimes ou conselheiros. Enquanto o STF analisa os recursos, a ausência de atos concretos – admitida até pela PF em alguns pontos – alimenta a tese de que o "suposto golpe" pode ser mais fumaça do que fogo.
